Apontamentos da apresentação do Padre José Frazão, no dia da Foste Visitar-me, em Soutelo, em 12 de Abril de 2015


PARTE DA MANHÂ

 

QUEM É O MEU PRÓXIMO?

 

LC 10, 29-37 – Parábola do Bom Samaritano

MT 25,31-46 – Parábola do Juízo Definitivo

 

Na Bíblia, a 1ª pergunta de Deus a Adão e Eva foi: ONDE ESTÁS?

A 2ª pergunta na Bíblia foi de Deus a Caim: ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO?

A relação com o próximo é constituinte da nossa existência, por isso não podemos deixar de responder a essas 2 questões.

Não responder a estas questões (quer sejamos crentes ou não crentes) é já uma resposta.

O espelho não nos dá a resposta à questão “onde estás”. Quem nos ajuda a responder é o teu irmão. É porque alguém nos sorri que nós sabemos sorrir; é porque alguém nos ensina a estar à mesa que o sabemos fazer.

 

Entre as perguntas ONDE ESTÁS e ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO, há uma fratura, uma distância.

 

   Onde estás?

 
   
 


    Onde está o teu irmão

 

 Há sempre distância entre Abel e Eva, entre mim e o outro. A questão é saber como é que gerimos esta distância?

ENTRE ------ TANTO; ENTRE MIM-----E O OUTRO: é o lugar do Espírito Santos, o lugar da fecundidade.

Entre Adão e Eva o que existe? Confiança? Ou Medo?

Entre Caim e Abel o que existiu? Ciúme (o mesmo sentimento que conhecemos em todas as crianças)

A questão é a de saber COMO É QUE DEUS HABITA ESTA FRATURA?

O que faz Deus quando Adão e Eva comem do fruto proibido e se sentem nus? Deus põe-se a cozer tecidos para os cobrir (Deus tecelão). Não é Deus que expulsa Adão e Eva do Paraíso. A primeira coisa que fez foi um vestido para cobrir a sua nudez, a sua fragilidade. Também a Caim Deus fez um T (tau) na sua cabeça “para que ninguém te faça mal”. São duas maneiras diferentes de demonstrar que Deus protege.

   Jesus encontra-se com o Doutor da Lei e este pergunta-lhe: QUEM É O MEU PRÓXIMO?

Jesus nunca responde com definições, não lhe dá uma resposta, mas narra a história do Bom Samaritano e acaba por lhe perguntar: Qual dos três é o teu próximo? E depois diz-lhe: Vai e faz tu o mesmo.

Jesus não coloca o próximo na definição de um objeto, mas coloca-o num comportamento. O próximo não é uma categoria social, não cabe numa definição, mas diz respeito a um comportamento efetivo de alguém.

 

Nós não temos um próximo. Nós fazemo-nos próximos. Os próximos são aqueles de quem eu me aproximo.



Os próximos não são os presos mas sim aqueles que estão na prisão e de quem eu me aproximo

 

O que determina que eu me aproxime?

É a disponibilidade afetiva e efetiva para um encontro inesperado. Se calhar o Sacerdote não está disponível efetivamente porque não está disponível afetivamente.

No Bom Samaritano, todos estão em viagem, em movimento, mas um está disposto a alterar o percurso e os outros não estão.

Como é que eu me faço próximo?

Estou disposto a interromper o percurso para atender? Ou tenho que continuar o percurso? Ninguém pode responder, só tu!

Se queres ueres saber quem é o teu próximo, aproxima-te. Só quando o próximo se te impõe no teu caminho e altera o teu trajeto é que verdadeiramente encontraste o teu próximo.

 

MT 25, 31-46 – O copo de água tem alcance escatológico. Um fragmento de tempo tem uma relevância universal.

A História não vai registar o copo de água que eu dei a quem tinha sede. Como também não regista o soldado morto na Normandia. Contudo tem um sentido universal que permanece. É o pequenino que não aparece no registo da História, mas permanece na história de cada um.

 

Faz  sentido medir.  Mas não será Deus que fará essa medida, esse peso. Somos nós que já vamos pesados

 E o que é que pesa? Os copos de água que demos, o vestir um nu, são estes gestos que pesam para a vida eterna.

A História fez grandes monumentos para os grandes Generais. Mas o que pesa são os copos de água que se dão. É o sentido de nos fazermos próximos, que revela Cristo no pequenino. Cristo que se esconde no pequenino que encontramos. “Sempre que o fizeres a um pequenino é a Mim que o fazes”, não é importante se és cristão, budista ou muçulmano ou outra coisa qualquer. 

 

Mas nós não amamos o pequenino para amar a Cristo. Isso seria interesseiro. O  pequenino é suficientemente importante para o  amarmos  por si próprio e não por aí estar Cristo. Eu amo-te a ti, por ti e não por ser a Cristo (não é um amor substitutivo).

 Eu amo-te a ti, e Cristo depois revelará o seu amor como se fosse a ele. Por o amar a ele (ao próximo) é que amo a Cristo.

Por isso haverá sempre a dimensão da SURPRESA. Quando foi? Quando te dei de beber?

Por isso, e voltando às primeiras perguntas, “onde estás?” e “onde está o teu irmão?”, são momentos de pesagem.

O que é que dá unidade a tudo isto?

É a CARIDADE ou AMOR

 

Hoje a caridade tem um sentido depreciativo. Mas vamos distinguir:

a)      A via longa da caridade, que são os caminhos possíveis de exercer a caridade através de instituições, leis, etc.

b)      A via curta da caridade que é a relação efetiva que estabeleço com alguém que conheço

Hoje em dia queremos que a própria sociedade se organize para acudir a tudo o que é preciso. Será suficiente?

Embora, por meio da via longa da caridade, que tem uma dimensão universal,  também se consiga libertar os pequeninos (ex: abolição da escravatura,…) o importante é o EQUILÍBRIO entre as duas vias da caridade.

Para o exame de consciência devemos perguntar: porque é que me aproximo? Não deverá ser para me sentir bem, mas porque o outro precisa.

Há uma expressão que não associamos de imediato com isto que é a PIEDADE – PIETAS

Percebemos melhor o que é a Piedade quando vemos a Pieta do Miguel Ângelo.

É a sensibilidade visceral pela humanidade do outro.

É o sentir-me próximo.

A Piedade é sentir a sorte do outro como a sorte minha.

PIEDADE:

  • SENTIR MINHA A SORTE DESTE MEU IRMÃO
  • SENTIR MINHA A HUMANIDADE DO OUTRO
  • PARTILHA VISCERAL QUE GERA COMPAIXÃO
  • SENTIR COMO MEU A SORTE OU O AZAR DO OUTRO, se pudesse tomava o seu lugar
Quando dizemos que Jesus morreu por nós, é isso mesmo: é morrer para nós não sofrermos. É a realização da Piedade.

Assim, o importante é retirar o próximo de uma “categorização”. É a disponibilidade de interrompermos o nosso percurso para encontrarmos o próximo.

Quem nos vai julgar não é Deus, mas o pequenino. Ele é que diz: Tu atendeste-me.

A inquietação, a provocação é incontornável. É ela que nos envolve. Jesus responde, mas não responde se eu não quiser perguntar.

Jesus não tem uma agenda para o dia. Desvia-se para ir ao encontro do pobre, do rico, do doente, do …

Jesus não é um ideólogo!

Jesus vai a casa dos “nossos” e a casa dos que não são nossos, vai a casa de todos

Muitas vezes essas cinturas de identidade (que nos protegem) tornam-se a nossa prisão. É bom voltarmos ao início dos tempos de Jesus. Nunca lhe interessou se é rico ou pobre,…

COMO É QUE A NOSSA FÉ ATENDE AOS QUE ESTÃO DE FORA?

Neste momento o Papa Francisco tem a força de nos inquietar. A Igreja em vez de se compreender de dentro para fora, passa a compreender-se de FORA para DENTRO. Não se trata, por exemplo de abençoar o adultério, mas de ESTAR LÁ, para acompanhar os lugares da não conversão.

A determinação da Doutrina é importante, mas não pode estar dentro de gavetas.

Deus não nos salva a partir de cima, mas da realidade que nos questiona.

É com o desconforto que nos devemos confrontar. O Senhor nos dirá quem é o meu próximo, nos dirá o sentido dos nossos gestos.

 

PARTE DA TARDE

A Fé vive de afecto

Jesus é um exemplo.

O Cristianismo nasceu de uma expulsão, foi expulso do judaísmo.

Existe uma relação improvável entre: DEUS ------CRUZ DE JESUS

Isto porque nós associamos Deus a verdade, a domínio, a omnisciência. E a cruz é o contrário disso tudo: é fraqueza, acusação, rejeição…

Pedro quando disse a Jesus que estava disposto a defendê-lo com uma espada, não estava a mentir. O que via era um Deus forte, e depois, quando viu um fraco, não conheceu Jesus. Pois, se Jesus foi levado à morte o que Jesus disse era falso, porque Deus não pode ser levado à morte.

Mas Deus não é poder despótico, discricionários;  Deus não tem o poder de fazer o que lhe apetece, quando lhe apetece. O poder de Deus é o poder de dar a sua vida por amor para os outros terem a sua vida. Por isso a Cruz, que parece lugar de repulsa, de acusação, é, afinal, lugar de ressurreição, Ressureição que é a experiência da conciliação entre Deus e a Cruz.  A Cruz é o lugar da revelação de Deus

Há que ter uma dimensão histórica do Cristianismo:

Há um momento em que a comunidade judaica expulsa os cristãos, e foi por isso que os cristãos divulgaram o cristianismo aos outros povos do mundo.

A fé, que nasce na periferia do império romano, sai da periferia para o Centro com o Imperador Constantino, onde a Igreja determina tudo.

Com a Idade Moderna, questiona-se isso tudo. Na idade moderna a fé começa a ser outra vez mandada para a periferia, e hoje, no fundo, somos chamados a viver em muitas periferias.

Assim, o que parecia ser um problema, pode ser o verdadeiro Cristianismo.

A sociedade hoje está-nos a dar o nosso lugar: sermos o fermento na massa, habitarmos as periferias e não sermos  “donos disto tudo”.

Muitas das nossas dificuldades de hoje, vêm disso mesmo: vemos o Papa como um monarca. Por. Ex., Sta Teresinha, em pequena, dirigiu-se diretamente ao Papa, o que era coisa que, na altura, não se podia fazer.

Hoje o que estamos a viver é uma inevitabilidade. O Centro já não é determinado pela Igreja. Mas isto nem é bom, nem é mau. O que é preciso é acolher o que é bom, e o bom é acolher as periferias.

Só que isto é um cristianismo mais rico, mais exigente, porque é capaz de sentir as dificuldades do Homem de hoje. Quando o Cristianismo está no centro, facilmente se torna insensível aos problemas da periferia.

Jesus não é um Sacerdote. A sua tipologia não é a de quem está no centro.

Vivemos pois tempos muito interessantes, mas muito incómodos.

Saímos do centro e estamos a aproximarmo-nos da periferia, que foi onde o cristianismo nasceu.

+-300 anos o cristianismo foi perseguido. Depois torna-se a religião oficial do Império romano.

Ano 1.000 – Roma centraliza e poderosa

Ano 1.700- Começam as coisas a mudar (Revolução Francesa….)

Então, o Bispo de Roma é algo de essencial no Cristianismo? É.

Mas vestir-se de branco ou de preto também é? Não. O centro é o Evangelho e o amor que Deus nos tem

Os grupos revisionistas querem voltar ao passado. Mas a que passado? Ao de Trento, ao anterior? Têm que ser claros a que passado querem voltar

A Cruz é um lugar impróprio mas é o lugar certo para revelar DEUS: é o lugar da revelação da Fé

Quem é que acredita que é desaparecendo que se vive?

A morte é o fim da vida de Jesus. É o fim do seu projeto. Jesus está disposto a desaparecer para que Deus se revele.

Quais são as nossas armas? A nossa missão não é ser uma força contra outra força.

 A questão é:

 COMO É QUE A VIDA FLORESCE? (vida é quase outro nome de Deus)

A pergunta não é: quantos sócios temos no nosso clube. Mas a pergunta deve ser:

COMO É QUE SOMOS FECUNDOS? Sem esta pergunta tudo o resto é ideologia. Só por si não vale nada.

A VIDA, a FAMÍLIA É UM LUGAR ESPIRITUAL. O espiritual é a vida de Deus que torna a vida fecuenda.

A família, o trabalho, a refeição, a atividade sexual é extremamente espiritual.

E para que a vida floresça, precisamos da liturgia, mas não a podemos separar da VIDA.

Deus que é espírito quis fazer-se humano. Por isso a separação ESPRITO/HUMANO não faz sentido.

1ª Tentação do Cristianismo: O Gnosticismo

Parte de uma separação entre:

- O Espiritual – Lugar da verdade

- O Corpóreo – Lugar de corrupção

Quanto menos corpóreo, mais espiritual (ser padre é mais do que ser casal…)

Mas não há eucaristia sem pão e vinho:

A gnose diz que Jesus é apenas a “aparência” de homem.

Para se chegar ao conhecimento de Deus (Gnose) tem que se ser menos corpóreo. Daí que ser “religioso” é mais do que ser casado. A confusão é esta.

Porque a encarnação obriga a não fazer uma separação.

O que faz espiritual, não é ser menos corpóreo, mas sim lugar fecundo, onde o espírito de Deus se faz presente.

Se Deus ama tanto as nossas coisas, quem somos nós para dizer mal delas?

O Evangelho é pertinente para a Vida. A nossa culpa é não demonstrar isso mesmo.

Que testemunho damos nós para a vitalidade do Evangelho?

Como é que a luz brilha nas trevas sem que deixemos de ser homens e mulheres de hoje?

Se o Evangelho é uma boa notícia para cada tempo e para cada lugar, então temos que ser capazes de nos encarnar nas vidas dos homens e mulheres de hoje para que eles nos compreendam.

Não vale a pena dizer que o mundo se vai perder, porque ele segue por si próprio.

Mas eu tenho que “ouvir o Evangelho na sua própria língua” – PENTECOSTES.

A força do espírito fala a linguagem que é percebida por todos os que a encontrarem.

Se eu vou para a China, tenho que falar chinês – o Evangelho tem que falar a língua que o outro perceba.

O Cristianismo passa muito pelo “como”.

Lc 24 – DISCÍPULOS DE EMAUS

Jesus não acena a bandeirinha a dizer que é Jesus. Fala com eles o dia inteiro sem dizer que é Jesus, mas é Jesus.

Somos convidados a ser simples companheiros de caminho e não é pouco, para a nossa missão da Igreja!

A Graça acontece como pode. A nossa presença nas prisões não muda tudo. Mas alivia um pouco, a vida floresce, há uma nova esperança, um novo conforto, uma nova alegria.

O sentido não nos cabe a nós. Recolher os frutos também não. O que nos cabe é procurar o próximo, é estar próximo.

Nós devemos ser pequenas pontes, pequenos pontífices entre a vida das pessoas. Isso pode justificar a vida.

 



CONCLUSÕES



5 pontos para repensar a nossa Fé: 

1)      O húmus da fé são os ritmos/Lugares da nossa humanidade” – precisamos de recuperar a nossa humanidade como lugar de fé. Não é mais espiritual por ser mais elevado. É sim mais espiritual quando estamos inseridos na realidade. Jesus fala das coisas de Deus a partir da realidade das pessoas. O mundo precisa saber que a nossa existência é um lugar bom porque tem a marca de Deus. Precisamos de nos reconciliar com a humanidade. Olhar para a realidade com um olhar bom. “A semente da fé não nasce sem terra, e a terra é a nossa humanidade real”.

2)       O lugar especial da fé são os encontros – encontro com os discípulos de Emaús, com a adúltera na praça, com Zaqueu, com a prostituta…Contudo, não apenas o que se diz, mas o modo como se diz. Se Jesus fosse só verbo, era um “fala barato”. Não é só o que Jesus diz à adúltera, mas o modo como se encontra com ela na Praça. O timbre da voz, o modo como se aproxima, os gestos que faz. Deus revela-se a agir. Jesus é palavra de Deus mas também gesto de Deus

3)      O KAIROS da fé é HOJE. Kairos é o oposto de Chronos (o deus que come os filhos), o tempo que passa (cronologia). O Kairos é o tempo da graça, o tempo onde acontece algo. O Kairos da fé é HOJE. Não é o “só estou bem onde não estou” do António Variações. Tantas vezes vivemos uma ausência permanente e incapazes de retirar a graça do que temos! Converter-me ao tempo presente. Se não pensarmos assim estamos sempre alienados. Colher a graça do tempo presente (quer na dificuldade, que na felicidade). Fazer com que o tempo possa fazer brotar a vida!

4)      A FORÇA e a FORMA da FÉ na “PIETAS”- Isto é, a vitalidade da fé mas também a forma como a partilhamos com os outros não me deixa indiferente. Quase que nos cabe a nós próprios esculpir a estátua da Pieta.

5)      A fé gera um estilo crente por meio da bênção – estilo é um sinónimo de forma. Como é que a Igreja representa a mensagem de Cristo? A palavra “bênção” significa “dizer bem”. Abençoar alguém é depositar noutro os elementos essenciais para que esse outro possa seguir o seu caminho. Devemos ser Igreja que possa desenhar a sua presença no mundo como BENÇÃO. Potenciar o que existe; não valorizar o negativo, o que falta; estar do lado da vida do outro; fazer florescer. A bênção é pôr o que posso em ti para que possas seguir a tua vida. Não é reter o filho em casa. A bênção é valorizar o bem que existe, o bem que se faz.

São estes os 5 traços para percorrermos o caminho da Fé nos tempos que estamos a viver. 

 

 

A dimensão da bênção:

Bênção é depositar no outro, uma graça particular para que ele possa seguir o seu caminho    

Pelo que queremos uma Igreja que possa assinalar a sua presença no mundo como um projeto de bênção que promova a vida do outro.

Ser instrumento para que tu sejas o que podes ser, para que a vida floresça em ti;  isto Implica valorizar o bem que se faz, o bem que existe, mesmo que venha de outros lugares

 

Trabalho feito a partir dos apontamentos  da Teresa Grijó e do João Girão

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