A Foste Visitar-me, foi legalmente constituída em 2007 mas a sua história é uns anos mais antiga. Foi o concretizar do sonho de alguns dos primeiros visitadores, do José Maria Soares Franco e da Ana Azevedo, que começaram a ser visitadores desafiados pelo Padre Gonçalo Eiró, e principalmente do Carlos Coelho que durante alguns anos, com o apoio de Padre Vasco, visitou praticamente sozinho a Cadeia de Sta Cruz do Bispo. O Padre António Júlio, a partir de 2004, sendo director do Creu, deu o empurrão definitivo à sua constituição
 
A nossa inspiração foi desde sempre Jesus e o versículo de Mateus 25- 36, “Estive preso e foste visitar-me”.
 
A grande maioria dos presos das nossas cadeias provêm de extratos sociais muito baixos, com baixo nível de formação, muitos foram crianças mal-amadas, com histórias de vida terríveis. Estão metidos numa espiral de exclusão da qual não são capazes de sair: não têm família, não têm trabalho, não têm para onde ir, os amigos, se assim de podem chamar, são pontuais e circunstanciais. Normalmente aparentam uma grande confiança, com ar de durões mas nós sabemos que, por detrás daquela máscara, está um coração que sofre e que precisa de atenção.
 
Uma vez estava a conversar com o Flávio, um rapaz de 18 anos que estava preso pela primeira vez. Tinha tido uma vida terrível, Os pais tinham morrido quando ele tinha 3 anos. Ficou a viver com a avó que morreu quando ele tinha 12 anos. Foi viver para a rua, entrou na delinquência até que foi preso. Durante a conversa, perguntei-lhe se ele tinha visitas e ele respondeu-me candidamente: Tenho, a senhora…
 
Uma das necessidades vitais do ser humano é amar e ser amado mas não podemos falar de Jesus que é Amor a alguém que nunca foi amado porque não vai entender. Primeiro precisa de se sentir amado
 
Já S. Vicente de Paulo que viveu no seculo XVI e que é considerado o 1º capelão prisional dizia: 
 
“Se alguém entre vós pensa que os visitadores são enviados para "evangelizar" os prisioneiros e não para os consolar, para atender às suas necessidades espirituais e não às temporais, eu digo-vos que os devemos ajudar de todas as maneiras possíveis: isto é evangelizar por palavras e por obras, e é o mais belo gesto que podemos fazer... ".
 
Efectivamente o que nós fazemos é visitar os reclusos, queremos ser o amigo que chega quando todos os outros se foram embora ou muitas vezes o amigo que nunca tiveram.
 
Pedro Arrupe, depois da sua experiência como visitador nos Estados Unidos, ficou convencido de que a melhor maneira de aproximar Deus de alguém é ser seu amigo.
 
É a eles que nós somos enviados, para lhes oferecer a nossa presença gratuita, para os escutarmos, para os tratarmos com dignidade, para lhes oferecer a nossa amizade. Eles referem muitas vezes que só o simples facto de os tratarmos pelo nome próprio muda tudo. 
 
Para muitas pessoas, presos incluídos, é muito difícil de compreender que se façam coisas gratuitas . O Domingos Sousa Coutinho começou a ir sozinho a Custoias, à Unidade Livre de Drogas. Estava lá com eles, conversava, levou-lhes uma bola, leva-lhe jornais, etc, etc. Eles estavam muito confundidos porque ele nunca pedia nada, não pregava como os visitadores de outros grupos, limitava-se a visitá-los. Chegaram então à conclusão que ele era, de certeza, da Policia Judiciária e que estava ali para os espiar.
 
Visitar, não para catequizar, não para dar conselhos moralistas mas para sermos mensagem de Esperança e de Confiança.
 
Nós não somos melhores do que eles, já Sto Agostinho dizia que não existe um pecado que um homem tenha cometido que um outro não possa vir a cometer, tivemos é muito mais sorte na vida. O recluso é muito desconfiado, se pressente que vamos ter com eles, armados que somos os bonzinhos e eles os maus, está tudo estragado. 
 
O nosso olhar é transparente , transmite o que nos vai na alma, se não o  acolhermos como o nosso irmão que ele realmente é,  a nossa missão é com certeza uma missão falhada.
 
Todo o homem é maior que o seu crime e uma forma de não o respeitar é vê-lo de uma forma parcial, preconceituosa.
 
Na cadeia de Custoias temos de preencher uns papéis em cada local onde vamos. Normalmente pedimos aos reclusos para o fazerem. Um deles, no sítio onde se deve pôr o nome da associação escreveu “Fomos Visitados” em vez de” Foste Visitar-me”. Nós ficamos orgulhosos com este engano porque ele escreveu o que sentia que nós fazemos!
 
“Filho, tem confiança” diz Jesus ao paralítico em Mateus 9, 1-9. Muitos reclusos são parecidos com o paralítico. Eles têm consciência da sua marginalidade mas sozinhos não são capazes de mudar. Aceitam a sua situação sem tentar modificá-la. Acham que para eles já não dá, que nunca mais vão conseguir, que já não vale a pena. Lamentam-se, infantilizam-se, a culpa nunca é deles, é sempre dos outros. Vão sempre pelo caminho mais fácil, e para conseguirem o que querem, manipulam. 
 
Uma das nossas funções mais importante é escutá-los, escutá-los de uma forma activa. A maior parte deles tem uma necessidade imperiosa de ser escutado. Pela escuta nós ficamos a conhecê-los melhor, pela escuta ele fica a conhecer-se melhor, podendo ser um caminho para pôr os seus pensamentos e o seu coração em ordem.
 
O visitador tem aqui um papel muito importante, a exemplo do que Jesus diz ao cego de Jericó, nós podemos dizer ao recluso, coragem, põe-te caminho, eu estou aqui para te ajudar. E esta palavra no momento certo pode fazer a diferença. Porque foi encorajado o recluso põe-se a caminho….
 
Ninguém se põe a caminho se não tiver alguém que acredite nele, se não tiver alguém que se interesse por ele. 
 
Perguntámos a um ex recluso o que é que, para ele, tinha sido mais importante nas nossas visitas. Indubitavelmente a Confiança que depositámos nele. Explicava: Toda a sociedade desconfia do recluso mas, segundo ele, o mais grave é que os reclusos desconfiam de toda a gente. O facto de irmos lá semana após semana, conversando com eles escutando-os encorajando-os responsabilizando-os, não os tratando como coitadinhos etc fez com que ele começasse a ter confiança nos outros e consequentemente Confiança nele próprio. Já está em liberdade há 3 anos, trabalha, retomou a relação com a antiga namorada... 
 
Com muitos deles continuamos a manter contacto regular e periodicamente vamos jantar fora. Não tinha sentido criarmos uma amizade lá dentro e ela acabar quando eles saem da cadeia. Lembrei-me agora daquele verso do Hino da Peregrinação a Santiago, feito pelo Padre Nuno: porque “um amigo não se deixa sem mais…”
 
Depois destes anos todos de caminho com os reclusos aprendemos que nós podemos ajudar, nós podemos encorajar mas só vai ser possível se o recluso quiser mesmo. Muitas vezes o tempo deles não é o nosso tempo. Não podemos nem devemos impor o que nós achamos que é bom para eles, temos de respeitar. Mas às vezes confesso que é difícil. Para nós o caminho que ele deve percorrer é tão evidente….
 
Outro dos trabalhos que me é especialmente caro, onde eu sinto que estamos mais perto de Jesus é quando levamos alguns dos reclusos que estão internados na Clinica Psiquiátrica de Sta Cruz do Bispo a almoçar fora e a passear. Comecei a ir, desafiada pelo Carlos Coelho e agora vou com o Duarte Fonseca que tem sido uma companhia de eleição.
 
 Alguns estão presos há vinte e tal anos, completamente abandonados pelas famílias. Um deles, não existe, não tem nome, nunca foi registado…
 
São mesmo os pobres dos pobres!
 
Para acabar vou contar uma história que me marcou profundamente:
 
Um Sábado, antes de entrarmos, conversava com um dos visitadores sobre os objectivos da nossa ida à cadeia. Ele considerava que o objectivo principal era a reintegração do recluso e eu argumentava que não poderíamos ter um objectivo tão ambicioso e com tantas variáveis que não dependiam de nós. Eu, menos ambiciosa achava, e acho que o nosso objectivo é simplesmente estar com eles, é fazê-los sentir que eles são amados, que são nosso irmãos. Proporcionar-lhes umas horas diferentes. Ele, desculpa não é assim, isso é pouco de mais; se for só isso eu prefiro ficar em casa e proporcionar uma manhã de Sábado diferente à minha mulher. A conversa acabou porque entramos na cadeia. Entretanto enquanto íamos pelos corredores veio um recluso, do nada, ter com o ele dizer-lhe que nunca mais se iria esquecer das conversas que tinham tido, que tinha sido muito importante para ele, etc. etc. 
 
Impressiona-me os muitos sinais que temos de que não caminhamos sozinhos, que Jesus está ao nosso lado para nos apoiar. 
 
Tal e qual como a frase que o Padre Vasco me ensinou para dizer antes de entrar naquela casa: Senhor, que seja por ti, contigo e à tua maneira
 
Não é uma nem duas vezes que no fim da visita, recordando o que se passou, acho que fiz e disse coisas que sozinha não era capaz…
 
 O que me move? 
 
Sem dúvida o estar ao lado de quem sofre, levando-lhes a certeza do amor de Deus, fazendo-os sentir que não estão sozinhos, que há sempre Esperança para quem não desiste
 
Cláudia Assis Teixeira, Agosto 2012
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